TJ-RS condena leiloeiro que ficou com dinheiro de leilão cancelado

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Leiloeiro que não devolve o dinheiro do arrematante que não conseguiu comprar o imóvel, pelo cancelamento do leilão, incorre em apropriação indébita. Afinal, pela leitura do artigo 168 do Código Penal, é crime apropriar-se de coisa alheia móvel de que se tem posse ou a detenção.

A tipificação desta conduta delituosa levou o 4º Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a manter a condenação de um leiloeiro da Comarca de Novo Hamburgo. Os desembargadores se convenceram de que o réu sabia antecipadamente que o leilão tinha sido cancelado pela Justiça e, mesmo, assim, promoveu o ato, embolsando o dinheiro do arrematante, representado no processo pelo Ministério Público.

Com a decisão, tomada por maioria em sede de embargos infringentes, o réu teve a pena de reclusão confirmada em dois anos, dois meses e 20 dias, além do pagamento de multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos: prestação de serviços comunitários e pagamento de três salários mínimo à vítima.

Leilão fake
Em outubro de 2010, a vítima participou de um leilão organizado pelo réu, que contou com cerca de 20 interessados, para liquidação de ativos de uma massa falida. Durante o pregão, ele arrematou dois apartamentos por R$ 126 mil. Segundo contou à Justiça, o réu teria dito, no final do ato, que todos deveriam pagar o valor da arrematação, mediante fornecimento de recibo, e aguardar a homologação da arrematação.

Passado algum tempo e sem notícias da homologação judicial, o réu procurou o leiloeiro, para se informar melhor. Inicialmente, ouviu desculpas e evasivas. Insistente, foi até o escritório dele, recebendo a promessa de que tudo estaria resolvido no prazo de uma semana, o que não aconteceu.

Tentou novos contatos, em vão. Decidiu, então, procurar a Vara de Falências de Novo Hamburgo. Lá, foi informado que o leilão que participara havia sido cancelado e que o leiloeiro fora devidamente cientificado da decisão da Justiça. Ou seja, recebeu a notificação de cancelamento quase uma semana antes da data marcada para o leilão.

Ouvido em juízo, o acusado, inicialmente, negou que o leilão tenha sido cancelado. Posteriormente, admitiu que não devolveu o dinheiro ao arrematante porque teve problemas financeiros à época, causados por golpe de um cliente. Revelou que estava tentando pagar alguns credores, alguns dos quais já tinha feito acordos. Entretanto, informou não ter chegado a um acordo com a vítima.

Denúncia procedente
No primeiro grau, o juízo da 2ª Vara Criminal da comarca julgou procedente a denúncia apresentada pelo Ministério Público estadual, condenando o denunciado por apropriação indébita majorada — artigo 168, parágrafo 1º, do Código Penal. É que, no curso do processo, ficou claro que o réu teve ciência do cancelamento da alienação judicial dos imóveis, pois foi notificado por e-mail em 21 de outubro de 2010, quando o leilão estava programado para acontecer no dia 20 daquele mês. E, mesmo assim, realizou o leilão, recebendo e se apropriando dos valores dos arrematantes.

O juiz Marcos Braga Salgado Martins destacou que o leiloeiro deveria receber os valores com o único objetivo de depositá-los no juízo da Vara de Falências, e não na própria conta bancária, como efetivamente ocorreu. Este era o procedimento esperado. “Tal conduta já denota o dolo da apropriação do valor. Porém, soma-se a isso o fato de ter ficado demonstrado que ele sabia previamente do cancelamento das alienações, pelo que a única conclusão possível é a de que ele realizou a hasta já com o dolo de apropriação”, escreveu na sentença.

Condenação confirmada por maioria
O réu apelou ao TJ-RS, mas a maioria dos integrantes da 7ª Câmara Criminal manteve a sentença. Neste julgamento, ficou vencido o desembargador-relator José Conrado Kurtz de Souza, que deu provimento ao recurso para absolver o réu das imputações com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal — “fundada dúvida” sobre a existência do crime.

Como a condenação foi confirmada por maioria, a defesa interpôs embargos infringentes, pedindo a prevalência do voto minoritário para tentar a sorte junto ao 4º Grupo Criminal do Tribunal de Justiça — formado pelos desembargadores da 7ª e 8ª Câmara Criminais.

Em julgamento realizado no dia 28 de junho, também por maioria, o colegiado manteve o voto divergente, e majoritário, da lavra do desembargador Ivan Leomar Bruxel, que se alinhou aos fundamentos da sentença. A desembargadora Isabel Lucas de Borba, responsável pelo voto divergente e redatora do acórdão em sede de Embargos Infringentes, disse que não se poderia falar em ardil no momento antecedente à conduta criminosa, mas em “omissão reveladora” da intenção efetiva de se apropriar de valores.

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Processo 019/2.11.0006589-4 (Comarca de Novo Hamburgo)

Fonte: Por Jomar Martins – CONJUR